ÍNTEGRA DA MENSAGEM DE FILOMENO VIEIRA LOPES DO BLOCO DEMOCRÁTICO AO PRIMEIRO ENCONTRO DE MULHERES ANGOLANAS NA DIÁSPORA PORTUGUESA
Filomeno Vieira Lopes é secretário geral do Bloco Democrático - BD, e, foi convidado pelas mulheres angolanas na diáspora portuguesa nessa condição. O Núcleo BD em Portugal deu todo o apoio a esta iniciativa da sociedade civil apartidária. Está em elaboração um dossier sobre este evento, que será oportunamente divulgado.
ÍNTEGRA DA MENSAGEM DE FILOMENO VIEIRA LOPES DO BLOCO DEMOCRÁTICO AO PRIMEIRO ENCONTRO DE MULHERES ANGOLANAS NA DIÁSPORA PORTUGUESA
Senhoras e Senhores Conferencistas
Na impossibilidade de estar presente queiram aceitar a minha modesta contribuição para o presente painel.
Agradeço o convite da organização para participar neste grandioso evento. Tudo que toca à Mulher e à Criança soa a fundamentos da sociedade, dos quais todos dependemos . No caso de Angola, a temática assume transcendental importância pelo facto dos indicadores de saúde relacionados com este “corpus humanus” serem, demasiados precários.
Como já foi realçado aqui os níveis de mortalidade infantil e infanto-juvenis são dos piores do mundo, bem como da mortalidade materna. E estamos perante uma conjuntura internacional, sobretudo africana, com muitos países em conflito bélico.
Com efeito, dados recente, relativos a 2012, revelam que “Angola é considerado o segundo pior país do mundo na trabela de crianças menores de 5 anos, com 164 mortes em cada mil nascimentos”, conforme anunciado pela Voz da América e RTP Notícias, de acordo com Relatório conjunto da UNICEF, OMS e o Banco Mundial.
A situação tem vindo pois a degradar-se uma vez que segundo as estatistica do IBEP de 2008-09, a “taxa de mortalidade infantil e por mil nados vivos situava-se nos 116” (OMS Estratégia de Cooperação com Angola – Agosto 2009).
- Macro ambiente, económico politico e social e correspondente opções de política
Naturalmente que contribui para a presente situação a degradação do ambiente económico, politico e social, reflectindo uma opção deliberada por parte das entidades do país.
Angola não tem criadas condições normais de saneamento básico que abrange apenas 59% da população.
A generalidade da água pública não é inteiramente potável e esta apenas abrange 43% da população, acontecendo o mesmo com a energia.
O meio urbanizado (mormente Luanda que tem a maior taxa populacional) não tem pois qualidade de vida, desde a falta de circulação de ar, à desgastante circulação automóvel e de peões, com mais de 42% dos cidadãos vivendo em imóveis sobrelotados, enquanto que 90% da população total vive em habitat inapropriado, em conformidade com os dados revelados pelo IBEP.
O crescimento económico contrasta de forma gritante com a magreza dos indicadores sociais em análise, o que faz com que o nível de Desenvolvimento Humano seja dos mais críticos do mundo (em 2012 Angola situava-se na 148º posição entre 164 países) pois 37% da população ainda vive abaixo da linha da pobreza, colocando a esperança média de vida nos 50 anos.
Nisso não é estranha a má qualidade da água que se consome no país e a má qualidade de comida que se ingere. Dados recentes dão conta que grande parte da comida ingerida está contaminada e que as condições de confecção para a grande maioria do povo, não obedece aos requisitos mínimos de higiene, para além das combinações impostas pela escassez de rendimentos não conterem a quantidade de nutrientes de equilíbrio.
A política do governo visando superar esta situação - pese embora os planos existentes até o ano 2025, o programa de combate a pobreza (2007) e outros instrumentos orientadores - reflectida no OGE e nos Relatórios de Execução Governamental acentuam níveis insignificantes para a Despesa Social.
De facto o OGE – Orçamento Geral do Estado - dispende 6,68% para a saúde, o que representa apenas 2,45% do Produto Interno Bruto, em 2012, traduzindo degradação relativamente aos anos anteriores de 2001 a 2009, que representou de 2,78 a 3,4% do PIB.
Países recem saídos de guerras como o Burundi e o Rwanda, aplicam mais de 20% do esforço orçamental., bem como Africa do Sul e Brasil. A extensa cooperação existente para o sector com vários países, diversas organizações internacionais, com destaque para as das Nações Unidas, instituições bancárias africanas e de outros países, bem como organizações não governamentais, não têm podido alterar a pésssima situação na saúde, não obstante operarem com diversos mecanismos de coordenação.
Tudo isto mostra a insuficiência de política doméstica que é ainda comprovada pela ausência de pesquisa científica no sector da saúde, as ameaças políticas a todos os críticos que pretendam constatar a situação da saúde e mesmo a hostilidade a organizações não governamentais que trabalham na melhoria do sector social.
Tem relevância particular a forma como têm sido feitos os despejos em Angola, através de demolições de casas sem atender à situação de mães grávidas e bebés que muitas vezes ou são alojados em tendas ou em habitações em que coabitam mais de 3 famílias.
- O SISTEMA DE SAÚDE
Em boa verdade Angola não tem um sistema Nacional de Saúde que proteja os cidadãos provendo saúde a todos, independentemente do seu nível de rendimento. Por isto, não existe ainda sequer um sistema integrado de informação em saúde, que permita a formulação de planos e programas consistentes, bem como a respectiva avaliação e monitoria.
Particularmente, para o caso vertente não está ainda impletado o Roteiro para a redução da mortalidade materna e neonatal, concebido há mais de 7 anos pelo FNUAP Angola.
É vulgar ouvir-se igualmente dizer que a saúde está doente, dado o nível de degradação dos Serviços, em estruturas físicas e humanas, incluindo aqui o baixo nível de atendimento, a falta de laboratórios adequados, a inexistência da implementação duma política visando resultados para atacar as patologias transmissíveis e que mais afectam as populações e designadamente as crianças e as mães, como “a malária, tuberculose, doenças diarreicas agudas, doenças respiratórias agudas, tripanosomiase e doenças imunodepressivas, como o sarampo e o tétano”.
Basta referir que o país não tem laboratórios (com execepção do da TOTAL) que faça análise capaz de detectar o tipo de plasmódio que afecta o doente para que lhe seja aplicado o medicamento adequado, quando a dita “malária” é que mais mata no país.
Para os três níveis existentes de cuidados primários de saúde, a sua cobertura apenas contempla entre 50 a 60% da população. No entanto a prestações de cuidados de saúde não inclui apenas os sectores modernos público e privados, registados nos três níveis, mas igualmente a dos terapeutas tradicionais.
A grande maioria do povo angolano não tem capacidade para suportar as despesas com a saúde.
A maior parte das clínicas de referencia cobram à entrada 5.000 usd e uma semana nos cuidados intensivos pode ascender a 30.000 usd.
As unidades hospitalares não têm condições para a demanda, não possuem suficiente higiene, nem contemplam todos os serviços necessários para atender às patologias registadas, começando pelos meios de diagnóstico, consumíveis para análises, adereços hospitalares e mesmo medicamentos.
E isto é perceptível, quando o Estado apenas gasta 97,3 usd (9.500 kwanzas) por pessoa por ano para sustentar todo o serviço público de saúde. O cidadão só para combater um paludismo pode gastar o dobro dessa importância, a atender pelo elevado custo de vida no país.
Nesse contexto em que apenas uma parte reduzida dos cidadãos tem acesso ao serviço público e privado de saúde e que a grande maioria não dispõe de recursos para atender à sua saúde o recurso à medicina tradicional, às ervas e às folhas colhidas sem custos, tem sido a salvação temporária da grande maioria.
- A ofensiva da industria farmacêutica e a desumanização do combate à doença
Cada vez mais em Angola surgem novas patologias ou se regista um crescendo de patologias que antigamente eram raras como a tensão alta e as diabetes.
Assim, a dependência aos medicamentos para combater doenças crónicas é igualmente cada vez maior.
Associa-se a isto que os efeitos colaterais dos medicamentos modernos afectam outros órgãos de tal forma que esses efeitos, muitas vezes, preocupam mais que a doença original. Tal situação, está cada vez mais evidente, que é manipulada pela grande industria farmacêutica, cujo lucro que persegue como principal, só é alcançável se o doente se transformar num ser dependente.
- A MEDICINA TRADICIONAL
A crise na saúde resultante da falta dum sistema nacional de saúde, no recurso directo à natureza para colmatar as insuficiências de rendimento, bem como a manipulação dos medicamentos, aproveitando as insuficiências da ciência ou mesmo ignorando os avanços da ciência, sobrelevam a necessidade maior do uso da medicina ancestral.
Nela pode observar-se que o centro da sua preocupação é o Homem e não propriamente o seu valor mercantil. A habilidade primária da Medicina Tradicional é assumida pelo DOM que a individualidade recebe. Os dons não são comercializáveis e, portanto, é devolvido à Humanidade na mesma medida em que o mesmo é recebido.
Um outro aspecto que é aqui relevado é o da integralidade. Não se trata de fazer uma guerra a uma doença especifica, mas sobretudo criar no organismo as condições para que as doenças não se implantem.
O espírito, a mente e o físico considerado na sua totalidade é objecto de tratamento, evitando assim os efeitos colaterais, como acontece nas guerras quando ao pretender-se atingir o objectivo principal, muitos civis e infraestruturas físicas são atingidas o que em matéria de custo benefício, fica claro que estes estragos são piores que a dita estigmatização do inimigo.
A perspectiva holística faz com que outros equilíbrios se instalem entre nós, como a boa alimentação e a preservação do ambiente e mesmo do cosmos.
- A necessidade da sua evolução interagindo com os produtos da modernização
Não há pois dúvidas que o uso de ervas e de folhas (permitindo retirar maior proveito medicamentoso) bem como as técnicas de massagens com produtos naturais (veja-se as vantagens do tratamento da giba) lembremo-nos dos milagres entre muitas, da tia Guinhas, os medicamentos extraídos de outras partes das árvores, bem como o uso de minerais, as capacidades antibióticas de alguns alimentos, etc não pode ser menosprezado.
Para além das grandes vantagens que observamos na utilização das parteiras tradicionais que sem elas, as mulheres, sobretudo do meio rural, não teriam filhos, as técnicas dos banhos para fazer voltar a mulher a normalidade física, são excelentes recursos.
Tem particular interesse para o caso as práticas de medicina tradicional preventiva que no caso de Angola, permitiam criar as condições de não alojamento no organismo do plamódio, prevenir a diarreia, doenças de estômago, etc através da ingestão periódica de substancias de “lavagem” do organismo e clisteres.
Tal era o conceito de imunidade que desapareceu de todo em todo na sociedade urbana actual e cuja ausência é factor percursor de muitas doenças.
Todo este conhecimento precisa de ser valorizado não só pelo reconhecimento mas sobretudo pelo seu desenvolvimento com estudos interagindo com técnicas e metodologias modernas, sem que o espírito da medicina centrado no Homem se desvaneça.
- A imperiosidade da “perninha”
Cada vez mais as unidades hospitalares conscientes das insuficiencias da medicina cientificizada e comercial recorrem à interacção com processos dos “praticistas”, os homeopatas, a ginástica anti-stress, o uso de massagens e ervas, e inclusivé, a conjugação com outras formas e metodologias de abordagem do corpo, como a acupuntura chinesa.
No momento actual esta interacção tem tidos efeitos práticos positivos e, em certo grau, é inevitável quer porque as condições de vida actuais conduzem a aplicação da medicina ortodoxa como processo de intervenção com resultados rápidos, mas a crise que ela encerra nos empurra para o seu complemento.
- A reestruturação dos sistemas de saúde para atender as populações
Portanto, é preciso dar cada vez mais atenção a essa medicina que tem elementos revolucionários para uma mudança global de vida.
Desde a reintrodução de sistemas preventivos, adequados às novas circunstâncias, ao reforço da investigação de como usar as plantas, árvores etc sem ser necessário isola-las completamente para atacar exclusivamente certos males, até as formas de integração sociais através do poder local, são facetas que carecem de ser contempladas e atendidas pelos poderes públicos.
Uma vez vencidos os preconceitos inerentes à sociedade colonial é preciso reforçar este aspecto do conhecimento nascido em confronto com as próprias condições do nosso habitat angolano pois uma vez devidamente estudado pode permitir contribuir também para o tratamento de patologias similares que se desenvolvem fora do nosso território.
FIM