O DISCURSO DO PR - JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS À NAÇÃO

COMUNICADO
A PILHAGEM CONTINUA

1. Por obrigação constitucional, o Presidente da República deve dirigir uma mensagem ao País sobre o estado da Nação. Na mensagem deste ano, o Presidente da República, mais uma vez, fez o seu auto-elogio, revelando os meandros mais escondidos da política nacional e internacional.

2. O Sr. Presidente da República procurou justificar a baixa de produção da energia hidroeléctrica em cinco pontos percentuais pelo facto de ter havido uma estiagem, durante o ano 2012, em 14 das 18 províncias do Pais. No entanto, ignorou completamente as consequências sociais e humanas dessa estiagem que, afinal, já dura há 3 anos, em algumas províncias nomeadamente do sul do Pais, onde tem provocado um elevado número de famintos e de mortes. Seria mais interessante que o Sr. Presidente da República se tivesse lembrado da estiagem para reflectir sobre o estado calamitoso e de verdadeira crise social e humana que essas províncias e suas populações vivem, facto já reconhecido publicamente por todos actores sociais no País.

3. Patenteando o seu desinteresse pela sorte dos cidadãos angolanos, o Sr. Presidente da República, tendo referido uma redução da produção dos produtos de base na economia internacional, não tirou daí as devidas consequências para o sistema de abastecimento nacional que depende em elevadíssima percentagem dos mercados exteriores.

4. Em tom de auto elogio, o Sr. Presidente da República assinalou o facto de continuar a haver estabilidade macroeconómica, devido ao “sucesso” da consolidação fiscal, à correcta articulação entre a política fiscal e monetária, à gestão parcimoniosa das despesas públicas, e à estabilidade do Kwanza. Porém, não disse quanto custa ao País esta estabilidade macroeconómica, nem quais as medidas para o relançamento da economia produtiva que devia sustentar a referida estabilidade macroeconómica e criar emprego para os angolanos. Nem tão-pouco disse como é que os empreendedores nacionais poderão ver alavancadas as suas iniciativas geradoras de riqueza interna, embora tenha referido, com vaidade, o facto das reservas líquidas se situarem actualmente em 33,4 mil milhões de Usd e o crédito à economia ter crescido 4,3%, impulsionado, sobretudo, por dinheiros públicos.

5. Quando abordou a questão do sector social, o Sr. Presidente da República, mais uma vez, assente em dados imprecisos e não confirmados, repetiu promessas que no passado não foram cumpridas. Louvando as virtudes do “Programa Municipal Integrado de Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza”, prometeu reduzir a pobreza a indicadores abaixo de 35%, utilizando praticamente o mesmo indicador de há 2 anos atrás (36,6%), o que mostra que, durante este período, não houve grande progresso. Referiu também os indicadores de acesso das populações no campo à água potável (52%), rede de esgoto (48%), electricidade (25%) e saúde municipal (61%). No entanto, não disse que o “Programa Água para Todos” se propunha, há 6 anos atrás, fornecer água potável às populações no meio rural numa cobertura de 80% até 2012. O que quer dizer que, longe de estarmos no bom caminho, registámos um atraso substancial.

6. Quanto à educação, o Sr. Presidente da República terá seguramente laborado em erro, quando referiu haver, neste ano de 2013, cerca de 2,3 milhões de inscritos no ensino secundário, contra os cerca de 963 mil assinalados pelos dados oficiais, para o ano anterior. A ser verdade, isso corresponderia a um crescimento de cerca de 250% de um ano para o outro, quando os últimos registos mostram uma média de crescimento de 3%.

7. O Presidente da República pronunciou-se, pela primeira vez em 20 anos, sobre a importância inquestionável da institucionalização do Poder Autárquico, dizendo que o Executivo está a criar as condições para a sua implementação e para a realização das Eleições Autárquicas no País. No entanto, não estabeleceu um horizonte temporal para o cumprimento dessas tarefas, ignorando o que o Conselho da República havia indicado no passado. Pelo contrário, alijou responsabilidades ao lembrar que uma grande parte dessas tarefas compete à Assembleia Nacional.

8. No quadro das Relações Internacionais, o Presidente indicou que Angola tem reafirmado o primado da negociação para a resolução dos conflitos internacionais, evitando-se a cultura do uso da força e respeitando a legitimação do poder pela via eleitoral. Porém, Angola não é um bom exemplo, porque continua a ter forças militares fora das suas fronteiras, sustentando dirigentes que não chegaram ao poder pela via do voto, como acontece na RDC e na República do Congo, para além de privilegiar as suas relações com as ditaduras africanas, como é o caso da Guiné-Equatorial. Pelo que, ao tornar-se eventualmente membro não permanente do Conselho de Segurança da Nações Unidas, Angola irá, pela certa, usar essa sua qualidade como força de bloqueio ao progresso da liberdade e da cidadania em África, como já o está a fazer em relação ao Tribunal Penal Internacional.

9. Nas Relações Diplomáticas de Angola com os seus parceiros, o Presidente diz que apenas com Portugal estas não vão bem e que o clima político actual não aconselha a “parceria estratégica” anunciada recentemente. Fica, pois, evidente a existência de uma atitude revanchista face à investigação sobre eventuais casos de
corrupção e branqueamento de capitais envolvendo altas individualidades angolanas. Não temos dúvidas que este comportamento configura o que poderemos apelidar de “diplomacia da chantagem” sobre os fracos, uma vez que não tem o mesmo comportamento, quando se trata de outros países mais relevantes na cena internacional.

10. Em relação à sentida necessidade de moralizar a nossa sociedade, o Presidente abordou a questão da corrupção e do branqueamento de capitais, para dizer que estes fazem parte do processo de acumulação primitiva de capital à maneira angolana, e que aqueles que não aceitarem este facto não poderão fazer negócios com Angola, e que toda e qualquer denúncia da apropriação da riqueza nacional pela elite do poder será considerada campanha de intimidação visando impedir que os africanos sejam concorrentes das empresas estrangeiras. Deixando, assim, campo aberto ao prosseguimento da corrupção.

11. Assim, não estranha que o Presidente tenha ignorado temas tão candentes para a sociedade angolana, como são o problema da intolerância política e da reconciliação nacional.

LIBERDADE, MODERNIDADE, CIDADANIA

Luanda, aos 15 de Outubro de 2013 O Conselho Nacional do Bloco Democrático
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